A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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terça-feira, novembro 30, 2010

Mais um reconhecimento ao trabalho da diplomacia brasileira

O ministro Celso Amorim foi considerado pela conceituada revista Foreign Policy um dos 100 pensadores globais (ficou em 6º). Amorim é visto pela revista como um dos responsáveis por transformar o Brasil num "global player".
A matéria:
http://www.foreignpolicy.com/articles/2010/11/29/the_fp_top_100_global_thinkers?page=0,5

domingo, junho 06, 2010

Prof. Fiori sobre o acordo com o Irã

Um acordo e seis verdades


O jornal O Globo foi quem acertou em cheio, ao prever - com perfeita lucidez - na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, e submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências. A análise é de José Luís Fiori.



“A mediação bem sucedida de Lula com o Irã alçaria Brasil no cenário mundial.”
José Luís Fiori

Na terça feira, 18 de maio de 2010, foi assinado o Acordo Nuclear entre o Brasil, a Turquia e o Irã, que dispensa maiores apresentações. E como é sabido, quarenta e oito horas depois da assinatura do Acordo, os Estados Unidos propuseram ao Conselho de Segurança da ONU, uma nova rodada de sanções ao Irã, junto com a Inglaterra, França e Alemanha, e com o apoio discreto da China e da Rússia. Apesar da rapidez dos acontecimentos, já é possível decantar algumas verdades no meio da confusão:

1. A iniciativa diplomática do Brasil e da Turquia não foi uma “rebelião da periferia”, nem foi um desafio aberto ao poder americano. Neste momento, os dois países são membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU, e desde o início contaram com o apoio e o estímulo de todos dos seus cinco membros permanentes. Além disto, a diplomacia brasileira e turca manteve contato permanente com os governos destes países durante todo o processo das negociações. A Turquia pertence a OTAN, e abriga em seu território armas atômicas norte-americanas. E o presidente Lula recebeu carta de estímulo do presidente Barack Obama, duas semanas antes da assinatura da visita de Lula, e a Secretária de Estado norte-americana declarou – na véspera do Acordo - que se tratava da “última esperança” de solucionar de forma diplomática a “questão nuclear iraniana”. 

2. O que provocou surpresa e irritação em alguns setores, portanto, não foram as negociações, nem os termos do acordo final, que já eram conhecidos. Foi o sucesso do presidente brasileiro que todos consideravam impossível ou muito improvável. Sua mediação viabilizou o acordo, e ao mesmo tempo descalçou a proposta de sanções articulada pela Secretaria de Estado norte-americana depois de sucessivas concessões à Rússia e à China. E alem disto, criou uma nova realidade que agora já escapou ao controle dos Estados Unidos e seus aliados, e também do Brasil e da Turquia.

3. A reação americana contra o Acordo foi rápida e ágil, mas o preço que os Estados Unidos pagarão pela sua posição contra esta iniciativa pacifista será muito alto. Perdem autoridade moral dentro das Nações Unidas e perdem credibilidade entre seus aliados do Oriente Médio, com a exceção de Israel, por razões óbvias. E já agora, passe o que passe, o Brasil e a Turquia serão uma referência ética e pacifista, em todos os desdobramentos futuros deste contencioso.

4. Existe consenso que a estrutura de governança mundial estabelecida depois da II Guerra Mundial, e reformulada depois do fim da Guerra Fria, já não corresponde à configuração do poder mundial. Está em curso uma mudança na distribuição dos recursos do poder global, mas não se trata de um processo automático, e dependerá muito da capacidade estratégica e da ousadia dos governos envolvidos neste processo de transformação. O Oriente Médio faz parte da zona de segurança e interesse imediato da Turquia, mas no caso do Brasil, foi a primeira vez que interveio numa negociação longe de sua zona imediata de interesse regional, envolvendo uma agenda nuclear, e todas as grandes potências do mundo. A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potencia global e usará sua influencia para ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos Estados
Unidos
, Inglaterra e França, e também, com relação aos países do BRIC.

5. O Acordo seguirá sendo a melhor chance para prevenir um conflito militar em todo o Oriente Médio. As sanções em discussão são fracas, já foram diluídas, não são totalmente obrigatórias, e não atingirão a capacidade de resistência iraniana. Pelo contrário, se foram aprovadas e aplicadas, liberarão automaticamente o governo do Irã de qualquer controle ou restrição, diminuirão o controle norte-americana e da AIEA e acelerarão o programa nuclear iraniano, e aumentarão a probabilidade de um ataque israelense. Porque os Estados Unidos já estão envolvidos em duas guerras, e não é provável que a OTAN assuma diretamente esta nova frente de batalha, a despeito do anti-islamismo militante, dos atuais governos de direita, da Alemanha, França e Itália.

6. Por fim, o jornal O Globo foi quem acertou em cheio, ao prever - com perfeita lucidez - na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, e submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências. 

segunda-feira, abril 19, 2010

Distribuição de renda melhorando e campanha eleitoral

Matéria que saiu ontem na Folha de São Paulo:

Distribuição de renda deve marcar eleição


Melhora do poder aquisitivo retoma ritmo pré-crise; ganhos com o trabalho superam de longe os com benefícios sociais


País tem hoje 30 milhões de miseráveis; eles seriam mais de 50 milhões se a queda na pobreza não tivesse se acelerado a partir de 2003


FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Neste ano eleitoral de 2010, o aumento da renda dos brasileiros retomou os níveis pré-crise de 2009 e o poder de compra das famílias atingiu o maior patamar em uma década e meia.
A eleição também se dará em um contexto onde a distribuição da renda é a melhor desde a redemocratização. A proporção de brasileiros vivendo abaixo da linha da miséria caiu expressivos 43% desde 2003.
O Brasil tem hoje 30 milhões de miseráveis sobrevivendo com R$ 137 ao mês. Mas eles seriam mais de 50 milhões se a velocidade da diminuição da pobreza não tivesse se acelerado nos últimos anos.
"Foi uma "pequena grande década'", diz Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio. "E a melhora na renda hoje é muito mais sustentável, pois está apoiada mais na renda do trabalho."
Na média da década, a renda do trabalho explicaria 67% da redução da desigualdade. O Bolsa Família, cerca de 17%; os gastos previdenciários, 15,7%. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais.
Neri estima em 5,3% ao ano o aumento médio da renda per capita no país. No Nordeste, o ritmo é chinês, de 7,3%.
Não por acaso, é no Nordeste que Lula tem a melhor avaliação: 83% de ótimo/bom, contra 70% no Sul e 67% no Sudeste.
Em cenário sem Ciro Gomes (PSB) na eleição, a petista Dilma Rousseff também aparece à frente de José Serra no Nordeste, única região em que o tucano perderia a disputa hoje.

"Trunfo" petista
Para o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, "não há dúvida" de que a renda em alta é "trunfo" para Dilma.
"Para enfrentá-la, a oposição teria de convencer o eleitor que a melhoria se deve, em larga medida, a ações que vieram do governo de FHC e que, num governo Serra, a orientação para o social deve não apenas continuar, mas ser aprofundada."
O economista Ricardo Paes de Barros, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz ser "absolutamente fantástica" a melhora da distribuição de renda e a queda na pobreza.
"Não acho que Lula tenha feito mágica. Apenas demonstrou que com trabalho e continuidade de boas políticas é possível progredir rapidamente."
Paes de Barros diz, porém, que o atual ritmo de crescimento da renda é mais "pró-pobre". E tende a gerar mais empregos entre os menos escolarizados.
"Os que estão do meio para cima na distribuição ficarão um pouco prejudicados", afirma.
Enquanto a renda familiar per capita como um todo cresce em ritmo maior que 5% ao ano, entre os 10% mais pobres ela cresceu três vezes mais rápido (15,4%). Entre os 10% mais ricos, mais lentamente (3,7%).
Essa é a realidade, tanto do posto de vista do emprego quanto da renda, por exemplo, na construção civil, que emprega grandes contingentes, mas com pouca qualificação.
Em fevereiro, o setor tinha 2,5 milhões de vagas formais, o mais alto patamar da série, com o Nordeste liderando, proporcionalmente, as admissões.
A política de aumentos acima da inflação (50% a mais) para o salário mínimo também deu impulso à renda. Em 2003, um salário mínimo comprava pouco mais de uma cesta básica. Hoje, paga 2,2 cestas
O lado negativo da massificação de programas sociais e financiados pelo INSS (que foram o "estopim" para o início da melhora na renda) foi o engessamento do gasto federal.
Cálculos do especialista em contas públicas Raul Velloso indicam que de cada R$ 1 para despesas não financeiras da União, R$ 0,62 vão para pagamento de benefícios assistenciais e previdenciários e a inativos e pensionistas.
Somados a salários do funcionalismo e a outras despesas (como saúde), esses gastos limitam a União a investir em infraestrutura só R$ 0,06 para cada real desembolsado.

segunda-feira, março 22, 2010

Roberto Jefferson e as oligarquias

O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, escreveu um artigo esclarecedor na Folha de São Paulo do dia 19/03/2010. Jefferson escreveu:

"As oligarquias aliaram-se ao PT pensando que iriam dominá-lo, mas se deu o contrário, porque elas não têm projeto"

Jefferson escreve essas linhas em tom de lamento, do tipo "nós oligarcas fomos enganados pelo PT e eles conseguiram fazer isso por que não temos projeto de país". Curiosa tese vinda de um político assumidamente de direita e que, pelo menos desde o governo Collor, do qual foi um dos maiores defensores, sempre esteve na "situação" dirigindo uma parcela dos políticos fisiológicos da oligarquia brasileira.

Se o que Jefferson disse faz mesmo sentido, então o PT não abandonou tanto o seu programa político quanto as pessoas mais de esquerda imaginam. Nessa hipótese, o PT se aliou à oligarquia, como havia feito FHC, mas apenas para garantir a governabilidade, e não para ditar um programa de governo. Quer dizer, o PT dirige a oligarquia brasileira contra os interesses dela própria, porque ela não tem "ideologia", não tem um projeto político para o país, mas apenas interesses fisiológicos. Se isso for verdade, então o governo do PT estaria promovendo um grande avanço para o Brasil, ao enfraquecer a influência política daquilo que há de mais atrasado na elite brasileira. Uma elite cuja mentalidade e modus operandi remontam ao nosso passado de "Casa Grande e Senzala", como colônia de exploração à serviço da acumulação de capital nas metrópoles.

Cabe perguntar se essa direção política e ideológica sobre a oligarquia tradicional, por parte de políticos advindos da oposição à ditadura já não havia se iniciado, também, no governo do PSDB.

Abaixo o artigo de Jefferson:

São ideológicos, por isso corrompem

ROBERTO JEFFERSON

As oligarquias aliaram-se ao PT pensando que iriam dominá-lo, mas se deu o contrário, porque elas não têm projeto

UM DOS traços constantes da vida brasileira é a coexistência de dois tipos heterogêneos e incomunicáveis de política: a "profissional", cuja única finalidade é o acesso a cargos públicos para a conquista de benefícios pessoais ou grupais, e a socialista (ou "capitalismo burocrático-corporativo", como define o sociólogo Fernando Henrique Cardoso), empenhada na conquista do poder total sobre a sociedade.
A segunda vale-se ocasionalmente dos instrumentos da primeira, mas, sobretudo, cria os seus próprios: os "movimentos sociais" (o adestramento de formidáveis massas militantes dispostas a tudo), a ocupação de espaços na administração federal e em áreas estrategicamente vitais e, por último, mas não menos importante, a conquista da hegemonia cultural.
As próximas eleições vão opor, numa disputa desigual, a política socialista à profissional. Esta emprega os meios usuais de propaganda, enquanto aquela utiliza todos os meios disponíveis (inclusive os heterodoxos).
O político profissional tem a seu favor somente os eleitores, que se manifestam a cada quatro anos e depois o esquecem, enquanto o socialista tem a vasta militância, pronta a matar e a morrer por quem personifica suas aspirações.
O voto, ainda que avassaladoramente majoritário, não afiança ninguém no poder. O que garante a supremacia é a massa organizada, disposta a apoiar o eleito todos os dias e por todos os meios. Vejam a situação da governadora do Rio Grande do Sul: quando a oposição se vangloriou de ter "varrido o PSDB do Estado gaúcho", não percebeu que tentara expulsá-lo apenas de um cargo público.
O maior erro que as débeis oposições cometem é não saber enfrentar o modelo político socialista.
É de acentuar que a quase totalidade do empresariado nacional já foi cooptada e aceita naturalmente o petismo, que se adonou e faz uso do histórico caráter patriarcal do Estado brasileiro -sedimentado pela ditadura militar- em seu benefício.
O estatismo foi reconfigurado. É mais fácil controlar mecanismos reguladores (em todos os níveis) e instâncias de fomento e financiamento, que tornam reféns de seus interesses os capitães da indústria privada.
Na discussão orçamentária, os políticos profissionais preocupam-se apenas com emendas que podem fortalecê-los em suas bases, proporcionando-lhes benefícios particulares.
Nenhum deles confronta a tradição doutrinária de controle da máquina pública e do exercício do poder, delineada desde Maquiavel.
Seguidor de Lênin, Trótski, Stálin e Gramsci, o petismo, por meio de seu núcleo dominante, abriu mão da luta armada, mas não do objetivo revolucionário. E valem-se da União, a garantidora de empréstimos a municípios e Estados. É o clientelismo, dos quais são porta-vozes os políticos de todos os partidos, que, assim, jogam pelas regras estabelecidas por aqueles que detêm o poder decisório.
A eventual saída do PT da Presidência, porém, não mudará esse quadro. Porque os aparatos administrativo-arrecadadores (Receita Federal, INSS) e fiscalizadores senso estrito (policial e judicial), além da órbita cultural, foram aparelhados.
O PT detém controle também sobre os sindicatos, o funcionalismo público, o aparato repressivo (MPF e PF, usados para destruir seus inimigos, fazendo terrorismo e chantagem política), os estudantes, os camponeses, a igreja, a intelectualidade artística, universitária e jurídica.
Se eleito, portanto, José Serra vai comandar uma máquina estatal dominada por adversários, muitos deles indicados para atuar em tribunais superiores. Sem esquecer o MST, que mantém acampamentos ao longo das principais rodovias (e pode, a qualquer momento, paralisar o país).
No Brasil, hoje, não há mais escândalos. Ficam uma semana nos jornais e na TV, depois ninguém mais se lembra deles. Não produzem consequências judiciais, porque o sistema é pesado e dominado por uma processualística interminável, da qual decorre a impunidade. O caso do mensalão é emblemático.
O PT deu caráter rotineiro a tudo isso na vida brasileira. As oligarquias aliaram-se ao partido pensando que iriam dominá-lo, mas se deu o contrário, porque elas não têm projeto.
O PT, contudo, tem, e o põe em prática planejadamente, sistematicamente, em todos os níveis. Segue a lógica da revolução, quer construir o socialismo (quem sabe à maneira de Fidel, que Lula e sua turma tanto incensam?). Os petistas acreditam nisso.
Não são apenas corruptos, são ideológicos e, por isso, corrompem. E, no processo de destruição, vale tudo.
Para combater a hidra, é preciso conhecê-la, armar-se e propor um projeto diferente de país. Não se enfrentam tanques com bodoques, mas com mísseis. E, se vierem mísseis em represália, joga-se a bomba atômica.
Quem vai fazer isso?

ROBERTO JEFFERSON , 56, advogado, é presidente nacional do PTB.

Congresso aprova a reforma da saúde e dá a Obama maior vitória

Finalmente, os EUA começam a caminhar para a universalização do sistema de saúde. Todos os países desenvolvidos, menos os EUA, possuem um sistema universal e público de saúde. Nos EUA sempre foi difícil construir um sistema público e gratuito de saúde em virtude da ideologia liberal muito intensa que existe no país. Para esse liberalismo estado unidense, qualquer expansão da atuação do Estado na economia e na sociedade é vista como uma ameaça ao "livre mercado" e como uma medida "socialista" ou "comunista". Obama conseguiu aprovar a medida, sem dúvida uma vitória para o seu governo e para a maioria de seu povo. Perdem os planos da saúde privados. Abaixo segue a notícia na Folha de hoje:

Congresso aprova a reforma da saúde e dá a Obama maior vitória


Projeto que amplia a cobertura médica nos EUA era maior prioridade da agenda legislativa do presidente americano

Mandatário teve de negociar até os últimos momentos para convencer deputados reticentes, assinando lei que veda financiamento a aborto

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Na maior vitória do governo Barack Obama até agora, a Câmara dos Representantes (deputados) dos EUA aprovou ontem a reforma do sistema de saúde, considerada a mais importante legislação social no país desde a criação da seguridade social, nos anos 1930. Nenhum republicano foi a favor da lei, já aprovada no Senado.
"Após mais de cem anos de frustração e décadas de tentativas, [...] provamos que ainda somos um povo capaz de grandes conquistas", disse Obama ao lado do vice, Joe Biden. "Esta é a imagem da mudança."
A expectativa é que o presidente sancione a lei nos próximos dias. A reforma torna obrigatória a aquisição de planos de saúde, sob pena de multa e com subsídio a indivíduos de baixa renda e pequenas empresas, e impede que seguradoras privadas neguem planos a pacientes com doenças preexistentes. Também cria um "pool" de planos privados com critérios mínimos estabelecidos pelo governo para oferecer seguros a não segurados.
Calcula-se que conseguirão acesso ao sistema de saúde estimados 32 milhões dos 46 milhões de pessoas que não têm plano de saúde no país. A transformação é a maior desde a criação dos programas públicos Medicare (para idosos) e Medicaid (para pobres) em 1965.
A negociação com a Casa Branca seguiu forte até poucas horas antes da votação. Obama divulgou à tarde uma ordem executiva (equivalente à medida provisória) que será assinada para reiterar que fundos públicos não serão usados para abortos. Só assim foi garantido o voto de democratas antiaborto reticentes quanto à reforma -o texto foi aprovado por 219 votos a 212, com 34 votos contra de deputados governistas.
"A ordem executiva dá garantias adicionais de que restrições ao uso de fundos públicos para abortos não poderão ser contornadas", disse a Casa Branca em comunicado. Antes dessa última concessão, Obama já havia visto a diluição de várias de suas ideias originais, inclusive desistindo de promover a criação de uma agência pública de seguros em competição com planos privados.
Republicanos se mantiveram unidos contra a reforma e até o início da votação exortaram democratas a votar "não". À tarde, partidários da direita cercaram o Congresso em protesto. "Essa reforma vai aumentar o custo dos seguros aos indivíduos e os gastos do governo na hora errada", disse a deputada republicana Cathy Rodgers.
Além de aprovar a lei de reforma que havia passado no Senado, os deputados aprovaram por 220 a 211, também sem voto republicano, um pacote de emendas orçamentárias que muda a multa a quem não tiver plano, aumenta o subsídio a famílias de baixa renda e adia o início de algumas regras.
Quando emendas versam apenas sobre orçamento, o Senado só precisa de maioria simples para finalizar o processo, conhecido como reconciliação. Democratas perderam a supermaioria (que evita obstruções) na Casa em janeiro e, por isso, não quiseram se arriscar a novo voto em políticas específicas.
A reforma em si, porém, não precisa esperar a aprovação das emendas orçamentárias para entrar em vigor -aguarda apenas a sanção de Obama.
As mudanças deverão custar US$ 938 bilhões em dez anos, segundo o Escritório de Orçamento do Congresso, e reduzir deficits federais futuros em US$ 143 bilhões.

sábado, fevereiro 13, 2010

Prisão de do governador do DF

Folha de São Paulo, 13/10/2010

Historiadores veem prisão como "inédita"

DA REPORTAGEM LOCAL


A decretação da prisão de um governador em exercício de mandato pela suspeita de corrupção e obstrução de uma investigação criminal é inédita no país, segundo historiadores ouvidos pela Folha.

O historiador da USP Boris Fausto afirma que a detenção do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (sem partido), é "um fato excepcional e pode marcar uma virada" no cenário político e jurídico do país.

De acordo com Fausto, a prisão de Arruda também ajuda a resgatar a credibilidade do STF (Supremo Tribunal Federal), que nos últimos meses passou a ter sua imagem vinculada a uma "liberalidade excessiva".

O historiador, porém, diz que é preciso analisar o caso com cautela, pois ele ainda está em uma fase inicial e o combate à corrupção depende de muitas mudanças de regras, procedimentos e comportamentos da classe política.

Marco Antônio Villa, historiador da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), também diz que a detenção do governador do DF marca uma novidade na história do país. "É saudável saber que a Justiça tomou um atitude contra um político corrupto", afirma

Para Villa, a sociedade precisa ficar atenta para que o escândalo do DF não acabe ficando marcado como mais um no qual a impunidade, ao final, prevaleceu. "É preciso acompanhar o caso de perto, pois senão ele pode ser mais um "sonho de carnaval" que termina na quarta-feira de cinzas", afirma.

Para José Murilo Carvalho, historiador membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, a inédita prisão de um governador durante o mandato é um "fato auspicioso, mas é lamentável que ele não possa encontrar na cadeia outros que mereciam estar lá, como é o caso dos mensaleiros".

De acordo com Carvalho, na prática, no Brasil "as pessoas são desiguais perante a lei", e a prisão de Arruda faz com que a sensação de impunidade diminua no país.

Nova direita cresce nos EUA

El País, 13/02/2010

Antonio Caño, Em Washington

O movimento conservador em ascensão rompeu os moldes do republicanismo e lembra o caráter racista e fanático do fascismo


Se alguém acredita que a dupla Bush-Cheney é a versão mais extrema do conservadorismo americano, é possível que logo comprove que está errado. O movimento conservador em desenvolvimento nos últimos meses nos EUA, alimentado pelo rancor de uma classe média empobrecida e pela ambição de uma nova classe política pós-partidária, rompeu os moldes do republicanismo tradicional e lembra o caráter racista, nacionalista e fanático do fascismo. Por enquanto só lhe falta o ingrediente da violência.

O último sinal de alarme foi a recente reunião do movimento Tea Party em Nashville (Tennessee), e o discurso de seu líder mais visível, Sarah Palin, que levou o populismo ao grau de elogiar a ignorância como mostra de autenticidade e de destacar como maior qualidade política de Scott Brown, o recém-eleito senador por Massachusetts, o fato de ser "simplesmente um homem com uma camionete".

Palin é aclamada por seus seguidores pela simplicidade de seu expediente acadêmico, uma simples graduação em jornalismo pela modesta Universidade de Wyoming, contra os títulos da Ivy League que Barack Obama acumula em Columbia e Harvard. O próprio Brown ganhou adeptos pela virilidade abertamente exibida na revista "Cosmopolitan", contra o refinamento pudico dos políticos tradicionais.

A nação dos Tea Party se mostra, com efeito, convencida de ter implementado uma revolução contra a oligarquia de Washington semelhante à que no século 18 expulsou os colonialistas britânicos. De repente, os republicanos com mais "pedigree" estão em perigo diante dessa onda. O governador da Flórida, Charlie Crist, um moderado que no ano passado gozava de 70% de popularidade, hoje se vê superado nas pesquisas por um jovem desconhecido ultrarreligioso chamado Marco Rubio. Até John McCain, o indiscutível vice-rei do Arizona, hoje está seriamente ameaçado por J. D. Hayworth, um charlatão de uma rádio local que, na definição do "New York Times", "todo dia ataca, e nem sempre nesta ordem, a imigração ilegal, a perda de patriotismo no país e tudo o que Obama faz".

Todas as manhãs surge entre as fileiras do Tea Party algum desconhecido que em meia hora da demagogia mais radical ganha 10 pontos nas pesquisas. "O movimento está amadurecendo", afirma Judson Phillips, um dos fundadores desse fenômeno. "As manifestações estavam bem para o ano passado, mas este ano é preciso mudar as coisas, este ano temos de ganhar."

Ganhar o quê? Para conduzir o país aonde? Alguns conservadores moderados e cultos, como Peggy Noonan ou David Brooks, afirmam que não há nada a temer, que esses grupos são enraizados nas tradições libertárias dos EUA e que sua contribuição servirá para dinamizar a vida política do país.

É possível. Certamente, a hostilidade que este movimento manifesta em relação a Obama não se afasta muito da que a esquerda exibiu contra Bush - devem-se lembrar as menções a seu vício em álcool ou sua suposta indigência intelectual - e cabe perfeitamente, portanto, no jogo da democracia.

Mas de um ponto de vista europeu, no que está acontecendo hoje nos EUA, se observa algo mais que isso. Um dos oradores em Nashville afirmou com convicção que "o nascimento de Cristo está melhor documentado que o de Obama". "É africano", gritou uma mulher da platéia. Por trás dessa campanha que nega ao presidente sua cidadania norte-americana, parece esconder-se tanto um sentimento ultranacionalista quanto uma rejeição a sua raça.

Ninguém fala nos EUA sobre esse último fator. Para os que apoiam Obama, pode parecer vantagismo recorrer ao grito de racismo cada vez que se critica o presidente. Seus inimigos, é claro, não admitem esse pecado, por mais que na reunião de Nashville se escutasse só uma voz negra, obviamente exibida para ocultar o caráter puramente branco do movimento. Esse novo conservadorismo reúne muito da frustração do homem branco acumulada desde a liberação feminina, os direitos civis, de todas as leis para a igualdade que foram reduzindo o poder do setor social eternamente dominante. Esse homem branco que tampouco se viu favorecido pelos bons contatos, as amizades úteis, o dinheiro fácil, e que foi engrossando nas últimas décadas uma classe média que foi o orgulho da nação nos anos 1950, mas que foi impiedosamente maltratada pela última revolução tecnológica e a recente crise econômica.

Essa classe média branca ferida dispara contra o que está mais perto: os imigrantes, as minorias raciais, os dirigentes políticos. Tenta reduzir a concorrência, que considera injusta, e pretende que os EUA sejam só para os verdadeiros americanos. Busca a salvação em novas doutrinas, e atende à voz maternal de Palin e aos alaridos patrióticos dos locutores de rádio. Glenn Beck ou Rush Limbaugh se transformam assim nos Walter Conkrite dos novos tempos.

Os conservadores americanos não creem que haja qualquer perigo. Confiam cegamente na força integradora dessa democracia e em sua capacidade indestrutível de conter qualquer ameaça. Mas, de uma óptica europeia, essa combinação de demagogia, racismo, nacionalismo e xenofobia, assumida por uma classe média ferida e agitada, é uma receita muito conhecida e ainda temida. É verdade que o novo movimento conservador americano se orgulha sua defesa da liberdade e ainda não parece compatível com um governo que não garantisse o respeito ao indivíduo. Mas o aroma de Nashville semeia dúvidas, traz más sensações, assusta.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Artigo de Chomsky

07/02/2010


A tomada da democracia norte-americana pelo setor corporativo
The New Rork Times
Noam Chomsky

O dia 21 de janeiro de 2010 será lembrado como uma data sombria na história da democracia norte-americana e seu declínio.


Naquele dia, a Suprema Corte dos EUA determinou que o governo não pode proibir as corporações de fazerem gastos políticos durante as eleições – uma decisão que afeta profundamente a política do governo, tanto interna quanto externa.

A decisão anuncia uma tomada ainda maior do sistema político dos EUA por parte do setor corporativo.

Para os editores do The New York Times, a decisão “atinge o coração da democracia” ao “abrir caminho para que as corporações usem seus vastos tesouros para dominar as eleições e intimidar as autoridades eleitas a cumprirem suas ordens”.
 
O tribunal ficou dividida, 5 a 4, com os quatro juízes reacionários (equivocadamente chamados de “conservadores”) recebendo o apoio do juiz Anthony M. Kennedy. O juiz chefe John G. Roberts Jr. selecionou um caso que poderia facilmente ter sido resolvido em esferas mais baixas e manobrou o tribunal, usando-o para empurrar uma decisão de amplo alcance que derruba um século de precedentes que restringiam as contribuições corporativas às campanhas federais.


Agora os gerentes corporativos podem de fato comprar as eleições diretamente, evitando meios indiretos mais complexos. É bem sabido o fato de que as contribuições corporativas, às vezes reempacotadas de formas complexas, podem influenciar em peso as eleições, direcionando assim a política. O tribunal simplesmente deu muito mais poder ao pequeno setor da população que domina a economia.

A “teoria do investimento na política” do economista político Thomas Ferguson faz um prognóstico muito eficaz da política do governo durante longos períodos. A teoria interpreta as eleições como ocasiões nas quais segmentos de poder do setor privado se unem para investir com o objetivo de controlar o Estado.

A decisão de 21 de janeiro apenas reforça os meios para minar a democracia em funcionamento.

O pano de fundo é esclarecedor. Em seu argumento contrário, o juiz John Paul Stevens reconheceu que “há muito sustentamos que as corporações estão cobertas pela Primeira Emenda” - a garantia constitucional para a liberdade de discurso, que incluiria o apoio aos candidatos políticos.

No começo do século 20, teóricos de direito e tribunais implementaram a decisão do tribunal de 1886 de que as corporações – essas “entidades legais coletivistas” - têm os mesmos direitos que as pessoas de carne e osso.

Este ataque contra o liberalismo clássico foi duramente condenado por um tipo de conservadores que está desaparecendo. Christopher G. Tiedeman descreveu o princípio como uma “ameaça à liberdade do indivíduo, e à estabilidade dos Estados norte-americanos enquanto governos populares”.

Morton Horwitz escreve em sua história legal que o conceito de “pessoa” corporativa evoluiu lado a lado com a mudança de poder dos acionistas para os gerentes, e finalmente para a doutrina de que “os poderes do quadro de diretores (…) são idênticos aos poderes da corporação”. Anos depois os direitos corporativos foram expandidos bem além dessas pessoas, principalmente pelos equivocadamente denominados “acordos de comércio livre”. Por esses acordos, por exemplo, se a General Motors estabelece uma fábrica no México, ela pode pedir para se tratada da mesma forma que as empresas mexicanas (“tratamento nacional”) - bem diferente de um mexicano de carne e osso que busca “tratamento nacional” em Nova York, ou mesmo os direitos humanos mínimos.
 
Há um século, Woodrow Wilson, na época um acadêmico, descreveu uns Estados Unidos em que “grupos comparativamente pequenos de homens”, gerentes corporativos, “exercem o poder e controlam a riqueza e os negócios do país”, tornando-se “rivais do próprio governo”.

Na realidade, esses “pequenos grupos” se tornaram cada vez mais os mestres do governo. O tribunal de Roberts deu a eles um alcance ainda maior.

A decisão de 21 de janeiro veio três dias depois de outra vitória da riqueza e do poder: a eleição do candidato republicano Scott Brown para substituir o finado senador Edward M. Kennedy, o “leão liberal” de Massachusetts. A eleição de Brown foi retratada como uma “virada populista” contra as elites liberais que comandam o governo.

Os dados da votação revelam uma história diferente.

Altos índices de participação nos subúrbios ricos, e baixos em áreas urbanas em grande parte democratas, ajudaram a eleger Brown. “50% dos eleitores republicanos disseram que estavam 'muito interessados' na eleição”. Informou a pesquisa do The Wall Street Journal/NBC, “comparado a 38% dos democratas”.

Então os resultados foram de fato uma virada contra as políticas do presidente Obama: para os ricos, ele não estava fazendo o suficiente para deixá-los mais ricos, enquanto que para os setores pobres, ele estava fazendo demais para atingir esse fim.
A irritação popular é bastante compreensível, dado que os bancos estão prosperando, graças à ajuda do governo, enquanto o desemprego aumentou para 10%.

Nas fábricas, uma em cada seis pessoas está sem trabalho – desemprego nos níveis da Grande Depressão. Com a financialização crescente da economia e o esvaziamento da indústria produtiva, as perspectivas são não trazem esperanças de recuperação dos empregos que foram perdidos.

Brown apresentou a si mesmo como o 41º voto contra o sistema de saúde – ou seja, o voto que poderia acabar com a maioria no Senado dos EUA.

É verdade que o programa de saúde de Obama foi um fator importante na eleição de Massachusetts. As manchetes estão corretas ao dizer que o público está se voltando contra o programa.

Os números da pesquisa explicam porquê: o projeto de lei não vai longe o suficiente. A pesquisa do The Wall Street Journal/NBC descobriu que a maioria dos eleitores desaprova a forma como tanto Obama quanto os Republicanos estão lidando com o sistema de saúde.
Esses números se alinham com as recentes pesquisas nacionais. A opção do sistema público foi apoiada por 56% dos entrevistados, e a adesão ao Medicare aos 55 anos por 64%; ambos os programas foram abandonados.

Oitenta e cinco por cento acreditam que o governo deveria ter o direito de negociar os preços dos medicamentos, como acontece em outros países; Obama garantiu à indústria farmacêutica que não perseguirá esta opção.

Grandes maiorias apoiam o corte de custos, o que faz bastante sentido: os custos per capita dos EUA com a saúde são cerca de duas vezes maiores que os dos países industrializados, e os resultados da saúde são de má qualidade.

Mas o corte de custos não pode ser seriamente empreendido enquanto as companhias farmacêuticas são agraciadas, e o sistema de saúde está nas mãos de seguradoras praticamente desreguladas – um sistema caro peculiar aos EUA.

A decisão de 21 de janeiro levanta novas barreiras significativas para superar a séria crise do sistema de saúde, ou para lidar com assuntos críticos como as ameaçadoras crises do meio ambiente e da energia. O hiato entre a opinião pública e a política pública cresce cada vez mais. E o prejuízo para a democracia norte-americana dificilmente pode ser superestimado.

Tradução: Eloise De Vylder
 
Noam Chomsky


Noam Chomsky é um dos mais importantes linguistas do século 20. Seus textos oferecem um olhar alternativo sobre as principais questões internacionais.

terça-feira, janeiro 12, 2010

O momento atual do Brasil II

Outras matérias de revistas estrangeiras sobre o Brasil e o governo Lula:

A revista britânica The Economist sobre o excelente momento que vive o Brasil e o papel do governo Lula nesta realidade:

http://www.economist.com/displayStory.cfm?story_id=14845197

O ministro Celso Amorim escolhido o melhor chanceler do mundo pela revista Foreign Policy:
http://rothkopf.foreignpolicy.com/category/region/south_america

O momento atual do Brasil I

Abaixo matéria da revista Der Spiegel sobre o momento atual do Brasil:


"Pai dos Pobres" provocou milagre econômico no Brasil
Der Spiegel
Jens Glüsing

O Brasil é visto como uma história de sucesso econômico e sua população reverencia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um astro. Ele está na missão de transformar o país em uma das cinco maiores economias do mundo por meio de reformas, projetos gigantes de infraestrutura e explorando vastas reservas de petróleo. Mas ele enfrenta obstáculos.


Elizete Piauí aguarda pacientemente por horas à sombra de uma mangueira. Ela calça sandálias de plástico e veste um short largo sobre suas pernas finas. A 40ºC, o ar tremula neste dia incomumente quente na Barra, uma pequena cidade no sertão, o coração do Nordeste brasileiro. Mas Elizete não se queixa, porque hoje é seu grande dia, o dia em que se encontrará com o presidente, que está trabalhando para fornecer água encanada para sua casa.

O barulho de um helicóptero sinaliza sua chegada. A aeronave branca sobrevoa a multidão antes de pousar. Uma escolta de batedores acompanha o presidente até a cerimônia.
Lula sai da limusine vestindo uma camisa branca de linho e um chapéu militar verde. Ignorando os dignitários locais em seus ternos pretos, Lula segue direto para a multidão atrás de uma barreira de segurança. "Lula, Papai!", chama Elizete. Ele a puxa até seu peito e aperta a mão de outros na multidão, permitindo que as pessoas o toquem, façam carinho e o abracem. Gotas de suor correm pelo seu rosto corado enquanto pessoas o puxam pela camisa, mas Lula se deixa embeber na atenção. Ele se sente em casa aqui, em uma das regiões mais pobres do Brasil.
O presidente passa três dias viajando pelo sertão. Ele conhece a rota. Ele veio à região pela primeira vez há 15 anos, em campanha, viajando de ônibus e ficando hospedado em locais baratos. Ele fazia paradas em todas as praças, sete ou oito vezes por dia, geralmente realizando seus discursos na traseira de um caminhão. Sua voz geralmente ficava rouca e fraca à noite e ele tinha que trocar sua camisa suada até 10 vezes por dia.


'Ele ainda é um de nós'
Agora ele viaja de helicóptero e carros blindados, com os carros da polícia, com suas luzes piscando, abrindo o caminho ao longo das estradas. Voluntários montam aparelhos de ar condicionado e bufês nos aposentos de Lula, às vezes até mesmo estendem um tapete vermelho. A imprensa critica as despesas, mas isso não incomoda a maioria dos brasileiros, porque eles têm orgulho de seu presidente. Ele chegou ao topo, eles argumentam, então por que não desfrutar de seu sucesso? "Ele ainda é um de nós", diz Elizete, "porque ele é o pai dos pobres".
Lula está familiarizado com o destino dos nordestinos pobres do Brasil. Ele nasceu no sertão, mas sua mãe colocou seus filhos na traseira de um caminhão e os levou para São Paulo, 2 mil quilômetros ao sul. A posterior ascensão de Lula ao poder começou nos subúrbios industriais de São Paulo. Sua mãe foi uma das centenas de milhares de pessoas carentes que deixaram o sertão atormentado pela seca, com seus campos ressecados e animais morrendo de sede, e migraram para o sul mais rico, para trabalhar como porteiros, garçons, operários de construção ou empregados domésticos.
Em um plano para tornar verde esta região árida, Lula está explorando as águas dos 2.700 quilômetros do Rio São Francisco, um rio vital para grandes partes do Brasil. O rio fornece água para cinco Estados, mas ele passa em torno do Sertão. Segundo o plano de Lula, dois canais desviarão água do rio por 600 quilômetros até as áreas atingidas pela seca. "É o mínimo que posso fazer por vocês", Lula diz às pessoas na Barra.
Projeto controverso
O megaprojeto, que exige a superação de uma diferença de altitude de 200 metros, tem um custo estimado de R$ 6,6 bilhões. Lula posicionou soldados na região para escavar os canais. Oito mil trabalhadores labutam nos canteiros de obras enquanto tratores e escavadeiras movem a terra pela estepe. Se tudo correr bem, 12 milhões de brasileiros se beneficiarão com o projeto de transposição de águas, que deverá ser concluído em 2025. É o maior e mais caro projeto de Lula, assim como provavelmente seu mais controverso.
Aqueles que o apoiam comparam Lula ao presidente americano Franklin D. Roosevelt, que represou o Rio Tennessee nos anos 30, para fornecer eletricidade à região, e que lançou o New Deal, um imenso programa de investimento para superar a Grande Depressão. Mas os críticos veem a obra como um imenso desperdício de dinheiro. O projeto também atraiu a ira dos ambientalistas e até mesmo o bispo da Barra já fez duas greves de fome contra ele. Ele teme que o projeto de transposição das águas secará ainda mais o rio, alegando que a irrigação beneficiaria principalmente o setor agrícola.
O bispo não está presente. Dizem que ele está participando de reuniões fora da cidade. Na verdade, o religioso está mantendo discrição. As críticas ao presidente são desaprovadas por sua congregação. Lula fala a linguagem das pessoas comuns, contando histórias de sua juventude aos seus simpatizantes, histórias dos tempos em que sua mãe o enviava para buscar água e ele voltava para casa equilibrando um balde pesado sobre sua cabeça. Ele tinha cinco anos na época.

O Brasil já foi chamado de "Belíndia", um termo cunhado por um empresário que via o vasto país como uma mistura entre a Bélgica e a Índia, um lugar com riqueza europeia e pobreza asiática, onde o abismo entre ricos e pobres parecia intransponível. Lula foi o primeiro a construir uma ponte entre os dois Brasis.
Agora ele é tanto o queridinho dos banqueiros quanto ídolo dos pobres. Com o chamado presidente operário no comando, o Brasil está atraindo investidores de todas as partes do mundo. Jim O'Neill, o economista chefe do Goldman Sachs, inventou a sigla Bric para as economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China, prevendo um futuro brilhante para o gigante sul-americano. Mas seus colegas zombaram dele. A China e a Índia certamente tinham perspectivas, mas o Brasil? Por décadas o país era visto como um gigante acorrentado, atormentado por crises infindáveis e inflação.

Potência econômica ascendente
Mas hoje o "B" é a estrela entre os países Bric, com os especialistas prevendo um crescimento de até 5% para a economia brasileira em 2010. O Brasil está atualmente crescendo mais rápido do que a Rússia e, diferente da Índia, não sofre de conflitos étnicos ou disputas de fronteira. O país de 192 milhões de habitantes possui um mercado doméstico estável, com as exportações - carros e aeronaves, soja e minério de ferro, petróleo e celulose, açúcar, café e carne bovina - correspondendo a apenas 13% do produto interno bruto.
E como a China substituiu os Estados Unidos como maior parceira comercial do Brasil no início deste ano, o país não foi severamente afetado pela recessão no mercado americano como poderia ter sido. Os bancos do Brasil são fortes, estáveis e não encontraram grandes dificuldades durante a crise. Mais importante, entretanto, é o fato do Brasil ser uma democracia estável, ao estilo ocidental.
O país pagou sua dívida externa e até mesmo passou a emprestar ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo acumulou mais de US$ 200 bilhões em reservas e o real é considerado uma das moedas mais fortes do mundo. Especialistas internacionais preveem uma década de prosperidade e crescimento para o país. Lula prevê que o Brasil será uma das cinco maiores economias do planeta em 2016, o ano em que o Rio de Janeiro será sede dos Jogos Olímpicos. O país será sede da Copa do Mundo de 2014.
E ainda há os recursos naturais aparentemente ilimitados do Brasil, vastas reservas de água doce e petróleo. O Brasil exporta mais carne do que os Estados Unidos. E a China estaria em dificuldades sem a soja brasileira. Nos hangares da fabricante de aviões, a Embraer, perto de São Paulo, engenheiros brasileiros constroem aviões para companhias aéreas de todo o mundo, incluindo aviões para trajetos menores para a Lufthansa.

Um patriarca extremamente popular
Em outras palavras, o presidente Lula tem bons motivos para estar repleto de autoconfiança. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, o estão cortejando, enquanto Wall Street praticamente o venera. Ele é até mesmo tema de um novo filme, "Lula, o Filho do Brasil", que descreve a saga de sua ascensão de engraxate a presidente.

Todo o Brasil desfruta da fama de seu presidente que, há menos de sete anos no poder, atualmente conta com um índice de aprovação acima de 80%. A oposição praticamente desapareceu e o Congresso se tornou submisso. Lula dirige o país como um patriarca, tanto que seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, o está acusando de "autoritarismo" e alertando que o Brasil está no caminho de um capitalismo estatal.
Há um quê de verdade nas alegações de Fernando Henrique. Lula nunca teve confiança na capacidade do mercado de curar a si mesmo e considera que o Estado deve moldar uma nova ordem social. Ele adora projetos impressionantes e gestos nacionalistas. Ele é pragmático, mas despreza especuladores. "Brancos com olhos azuis" levaram o mundo à beira da ruína financeira, ele disse recentemente. Ele falava dos banqueiros.
A crise financeira apenas confirmou o ceticismo de Lula em relação ao capitalismo. Lula acredita que o Brasil lidou melhor com a crise do que outros países porque o governo adotou medidas corretivas desde cedo. Segundo Lula, o combate à pobreza e a distribuição justa de renda não podem ficar aos cuidados do mercado.

Classe média crescente
Sob sua liderança, milhões de brasileiros ingressaram na classe média. A evidência dessa transformação social está por toda a parte: nos shopping centers do Rio e São Paulo, lotados de famílias barulhentas da periferia, ou nos aeroportos, onde mães jovens ficam na fila do balcão de check-in, aguardando para embarcar em um avião pela primeira vez em suas vidas. "A desigualdade entre ricos e pobres está começando a diminuir", diz o economista e especialista em estudos sobre a pobreza, Ricardo Paes de Barros.
A chave para aquela que provavelmente é a maior redistribuição de riqueza na história brasileira é o programa social Bolsa Família, sob o qual uma mãe carente que possa comprovar que seus filhos estão frequentando a escola recebe até R$ 200 por mês do governo. A primeira vista pode não parecer muito, mas este subsídio do governo ajuda milhões de pessoas a sobreviverem no Nordeste brasileiro.
Especialistas inicialmente criticaram o programa como sendo apenas uma esmola, mas agora ele é visto como um modelo mundial. Mais de 12 milhões de lares recebem os subsídios, com grande parte do dinheiro indo para o Nordeste. Graças ao programa Bolsa Família, a região antes atingida pela pobreza começou a prosperar. Muitos nordestinos abriram pequenas empresas ou lojas e a indústria descobriu o Nordeste como mercado. "Agora a região está crescendo por conta própria", diz Paes de Barros.
Lula foi abençoado pela sorte. Seu antecessor, Fernando Henrique, já tinha estabilizado a economia, que sofria com a hiperinflação, quando foi ministro da Fazenda em 1994. Ele impôs uma reforma da moeda ao país e implantou leis que forçaram o governo a adotar políticas com responsabilidade fiscal. Lula não mudou nada disso.
Não havia necessidade de Lula reinventar a política econômica e social do Brasil. O país tem uma tradição de controle total da economia pelo governo que remonta aos anos 30.

O plano Marshall próprio do Brasil
Os centros nervosos da política econômica do país ficam abrigados em dois imponentes arranha-céus no centro do Rio. O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que conta com seus escritórios em uma torre de aço e vidro, foi criado com a ajuda americana e usando o KFW Banking Group da Alemanha como modelo. Ele financiou uma versão brasileira do Plano Marshall.
Nos anos 90, o BNDES administrou com sucesso a privatização de muitas estatais brasileiras. Hoje, ele fornece assistência a fusões e aquisições corporativas, ajuda empresas em dificuldades e financia os investimentos estratégicos do governo.
O BNDES é altamente respeitado. Acredita-se que seja em grande parte livre de corrupção e ele paga os mais altos salários do país. "Há um ano, os bancos estrangeiros batiam à minha porta perguntando se o Brasil estava preparado para a crise financeira", diz Ernani Teixeira, um dos diretores financeiros do banco. Teixeira conseguiu tranquilizá-los, notando que o BNDES tinha separado R$ 100 bilhões em reservas adicionais. No ano passado, o banco emitiu mais empréstimos e garantias de empréstimos do que o Banco Mundial - e até apresentou um lucro respeitável.
O segundo pilar do milagre econômico brasileiro fica diagonalmente no outro lado da rua: um bloco de concreto, iluminado à noite com as cores nacionais, verde e amarelo, é a sede do grupo de energia semiestatal Petrobras. A empresa planeja investir US$ 174 bilhões nos próximos quatro anos em plataformas de perfuração, navios e outros equipamentos para explorar as grandes reservas de petróleo além da costa do Brasil.
Há um ano e meio, a Petrobras descobriu novas reservas de petróleo sob o leito do oceano. Mas o petróleo será difícil de extrair, por estar situado abaixo de uma camada de sal em profundidades de pelo menos 6 mil metros. A expectativa é de que os poços comecem a produzir daqui pelo menos seis anos. A receita desse petróleo será depositada em um fundo que o governo usará principalmente para financiar novas escolas e universidades.
Lula apresentou recentemente uma legislação que regulamentaria a exploração das reservas de petróleo submarinas, fortalecendo assim o monopólio da Petrobras. Especialistas temem que Lula esteja criando um monstro corporativo poderoso e corruptível.
Obstáculos burocráticos
O imenso apagão que ocorreu simultaneamente em grandes partes do país, há duas semanas, teria sido um sinal de alerta de que o governo está indo além de sua capacidade? A modernização da infraestrutura decrépita do Brasil está avançando, mas lentamente. Bilhões de dólares em investimentos em portos, construção de estradas e no setor de energia existem apenas no papel, com a implantação atrapalhada por uma burocracia kafkaniana e um Judiciário moroso. Além disso, o país também não teve muito sucesso no combate à criminalidade.

Lula tem mais um ano no poder, após ter resistido à tentação de manipular a Constituição para garantir sua reeleição para um terceiro mandato. Ávido em preservar seu legado, ele tem buscado a indicação de sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, como sua sucessora, apesar da resistência dentro do próprio Partido dos Trabalhadores.
Rousseff, que foi integrante dos grupos guerrilheiros de esquerda após o golpe militar de 1964 e que posteriormente passou anos presa, tem uma reputação de tecnocrata competente, mas é vista como inacessível e autoritária. Ela está acompanhando o presidente em suas viagens pelo país, inaugurando novas estradas e usinas elétricas. Lula a apoia de modo tão determinado que até parece estar fazendo campanha para si mesmo.
Ela também está com ele em seu giro pelo Nordeste, apesar dos médicos terem removido um tumor de sua axila há poucos meses. Acredita-se que ela esteja curada e ela atualmente usa uma peruca após a quimioterapia. Seu rosto é pálido e seu sorriso parece congelado. O presidente a puxa para o seu lado quando ele caminha até o microfone, e ele menciona o nome dela repetidas vezes.
Elizete Piauí, ainda completamente embriagada pelo seu encontro com Lula, a viu pela televisão. Ela sabe que Dilma é a candidata de Lula e ela fará campanha pela ministra, apesar de que preferiria que Lula permanecesse no poder. "Eu votarei em qualquer pessoa que ele indicar", ela diz.

Lula também prometeu retornar. Antes do fim de sua presidência, ele planeja fazer outra viagem ao Nordeste para ver o quanto progrediram as obras no Rio São Francisco. Talvez, espera Elizete, ele terá atendido seu maior desejo até lá e ela poderá servir a ele um copo de água - de sua própria torneira, em sua própria casa.
Tradução: George El Khouri Andolfato

Heraclitismo

Toda a felicidade que há na terra,
Meus amigos, vem da luta!
Sim, a amizade requer
Os vapores da pólvora!
Em três coisas se unem os amigos:
São irmãos na miséria,
Iguais ante o inimigo,
E livres diante da morte!

Nietzsche. Gaia Ciência, poema 41, pág. 37

terça-feira, dezembro 22, 2009

O debate da política externa: os conservadores


Texto do prof. José Luís Fiori: 

O debate da política externa: os conservadores
Chama a atenção a pobreza das idéias e a mediocridade dos argumentos conservadores quando discutem o presente e o futuro da inserção internacional do Brasil. Nossos conservadores perderam a bússola. Ainda tentam seguir a pauta norte-americana, mas não está fácil, porque ela não é clara, não é moralista, nem é binária.
“É desconfortável recebermos no Brasil o chefe de um regime ditatorial e repressivo. Afinal, temos um passado recente de luta contra a ditadura, e firmamos na Constituição de 1988 os ideais de democracia e direitos humanos. Uma coisa são relações diplomáticas com ditaduras, outra é hospedar em casa os seus chefes”.

José Serra, “Visita indesejável”, FSP, 23/11/2009

Já faz tempo que a política internacional deixou de ser um campo exclusivo dos especialistas e dos diplomatas. Mas só recentemente, a política externa passou a ocupar um lugar central na vida pública e no debate intelectual brasileiro. E tudo indica que ela deverá se transformar num dos pontos fundamentais de clivagem, na disputa presidencial de 2010. É uma conseqüência natural da mudança da posição do Brasil, dentro do sistema internacional, que cria novas oportunidades e desafios cada vez maiores, exigindo uma grande capacidade de inovação política e diplomática dos seus governantes.

Neste novo contexto, o que chama a atenção do observador, é a pobreza das idéias e a mediocridade dos argumentos conservadores quando discutem o presente e o futuro da inserção internacional do Brasil. A cada dia aumenta o numero de diplomatas aposentados, iniciantes políticos e analistas que batem cabeça nos jornais e rádios, sem conseguir acertar o passo, nem definir uma posição comum sobre qualquer dos temas que compõem a atual agenda externa do país. Pode ser o caso do golpe militar em Honduras, ou da entrada da Venezuela no Mercosul; da posição do Brasil na reunião de Copehague ou na Rodada de Doha; da recente visita do presidente do Irã, ou do acordo militar com a França; das relações com os Estados Unidos ou da criação e do futuro da UNASUL.

Em quase todos os casos, a posição dos analistas conservadores é passadista, formalista, e sem consistência interna. Além disto, seus posicionamentos são pontuais e desconexos, e em geral defendem princípios éticos de forma desigual e pouco equânime. Por exemplo, criticam o programa nuclear do Irã, e o seu desrespeito às decisões da comissão de energia atômica da ONU, mas não se posicionam frente ao mesmo comportamento de Israel e do Paquistão, que além do mais, são Estados que já possuem arsenais atômicos, que não assinaram o Tratado de Não Proliferação de Armas Atômicas, e que tem governos sob forte influência de grupos religiosos igualmente fanáticos e expansivos.

Ainda na mesma linha, criticam o autoritarismo e o continuísmo “golpista” da Venezuela, Equador e Bolívia, mas não dizem o mesmo da Colômbia, ou de Honduras; criticam o desrespeito aos direitos humanos na China ou no Irã, e não costumam falar da Palestina, do Egito ou da Arábia Saudita, e assim por diante. Mas o que é mais grave, quando se trata de políticos e diplomatas, é o casuísmo das suas análises e dos seus julgamentos, e a ausência de uma visão estratégica e de longo prazo, para a política externa de um Estado que é hoje uma “potência emergente”.

Como explicar esta súbita indolência mental das forças conservadoras, no BrasilTalvez, recorrendo à própria história das idéias e das posições dos governos brasileiros que mantiveram, desde a independência, uma posição político-ideoló gica e um alinhamento internacional muito claro e fácil de definir. Primeiro, com relação à liderança econômica e geopolítica da Inglaterra, no século XIX, e depois, no século XX - e em particular após à Segunda Guerra Mundial - com relação à tutela norte-americana, durante o período da Guerra Fria. O inimigo comum era claro, a complementaridade econômica era grande, e os Estados Unidos mantiveram com mão de ferro, a liderança ética e ideológica do “mundo livre”.

Depois do fim Guerra Fria, os governos que se seguiram adotaram as políticas neoliberais preconizadas pelos Estados Unidos e se mantiveram alinhados com a utopia “cosmopolita” do governo Clinton. A visão era idílica e parecia convincente: a globalização econômica e as forças de merca do produziriam a homogeneização da riqueza e do desenvolvi men to, e estas mudanças econômicas contribuíram para o desaparecimento dos “egoísmos nacionais”, e para a construção de um governo democrático e global, responsável pela paz dos mercados e dos povos. Mas como é sabido, este sonho durou pouco, e a velha utopia liberal - ressuscitada nos anos 90 - perdeu força e voltou para a gaveta, junto com a política externa subserviente dos governos brasileiros, daquela década.

Depois de 2001, entretanto, o “idealismo cosmopolita” da era Clinton foi substituído pelo “messianismo quase religioso” da era Bush, que seguiu defendendo ainda por um tempo o projeto ALCA, que vinha da Administração Clinton. Mas depois da rejeição sul-americana do projeto, e depois da falência do Consenso de Washington e do fracasso da intervenção dos Estados Unidos a favor do golpe militar na Venezuela, de 2002, a política externa americana para a América do Sul ficou à deriva, e os Estados Unidos perderam a liderança ideológica do continente, apesar de manterem sua supremacia militar e sua centralidade econômica. Neste mesmo período, as forças conservadoras foram sendo desalojadas do poder, no Brasil e em quase toda a América do Sul. Mas apesar disto, durante algum tempo, ainda seguiram repetindo a sua ladainha ideológica neoliberal.

O golpe de morte veio depois, com e eleição de Barak Obama. O novo governo democrata deixou para trás o idealismo cosmopolita e o messianismo religioso dos dois governos anteriores, e assumiu uma posição realista e pragmática, em todo mundo. Seu objetivo tem sido em todos os casos, manter a presença global dos Estados Unidos, com políticas diferentes para cada região do mundo. Para a América do Sul sobrou muito pouco, quase nada, como estratégia e como referência doutrinária, apenas uma vaga empatia racial e um anti-populismo requentado. Como conseqüência, agora sim, nossos conservadores perderam a bússola. Ainda tentam seguir a pauta norte-americana, mas não está fácil, porque ela não é clara, não é moralista, nem é binária. Por isto, agora só lhes resta pensar com a própria cabeça para sobrevier politicamente. Mas isto não é fácil, toma tempo, e demanda um longo aprendizado.

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Artigo do diretor de teatro Zé Celso

O país da tropicália

Do Estadão

Tropicália, sob o signo do escorpião

José Celso Martinez Corrêa

No mesmo dia em que Caetano fazia sua entrevista de capa, muito bela como sempre, no Caderno 2 do Estadão, o Ministro Ecologista Juca Ferreira publicava uma matéria na Folha na seção Debates. Um texto extraordinariamente bem escrito em torno da cultura, como estratégia, iniciada no 1º Governo de Lula ao nomear corajosa e muito sabiamente Gilberto Gil como Ministro da Cultura e hoje consolidada na gestão atual do Ministro Juca. Hoje temos pela primeira vez na nossa história um corpo concreto de potencialização da cultura brazyleira: o Ministério da Cultura, e isso seu atual Ministro soube muito bem fazer, um CQD em seu texto.
Por outro lado, meu adorado Poeta Caetano, como sempre, me surpreendeu na sua interpretação de Lula como analfabeto, de fala cafajeste, abrindo seu voto para Marina Silva.

Nós temos muitas vezes interpretações até gêmeas, mas acho caetanamente bonito nestes tempos de invenção da democracia brazyleira, que surjam perspectivas opostas, mesmo dentro deste movimento que acredito que pulsa mais forte que nunca no mundo todo, a Tropicália.
Percebi isso ao prefaciar a tradução em português crioulo = brazyleiro do melhor livro, na minha perspectiva, claro, escrito sobre a Tropicália: Brutality Garden, Jardim Brutalidade, de Chris Dunn, professor de literatura Brazyleira, na Tulane University de New Orleans.
Acho, diferentemente de Caetano, que temos em Lula o primeiro presidente antropófago brazyleiro, aliás Lula é nascido em Caetés, nas regiões onde foi devorado por índios analfabetos o Bispo Sardinha que, segundo o poeta maior da Tropicália, Oswald de Andrade, é a gênese da história do Brazil. Não é o quadro de Pedro Américo com a 1ª Missa a imagem fundadora de nossa nação, mas a da devoração que ninguém ainda conseguiu pintar.
Lula começou por surpreender a todos quando, passando por cima das pressões da política cultural da esquerda ressentida, prometeica, nomeou o Antropófago Gilberto Gil para Ministro da Cultura e Celso Amorim, que era macaca de Emilinha Borba, para o Ministério das Relações Exteriores, Marina Silva para o Meio Ambiente e tanta gente que tem conquistado vitórias, avanços para o Brasil, pelo exercício de seu poder-phoder humano, mais que humano.
Phoderes que têm de sambar pra driblar a máquina perversa oligárquica, podre, do Estado brasileiro. Um estado oligárquico de fato, dentro de um Estado Republicano ainda não conquistado para a “res pública”. Tudo dentro de um futebol democrático admirável de cintura. Lula não pára de carnavalizar, de antropofagiar, pro País não parar de sambar, usando as próprias oligarquias.
Lula tem phala e sabedoria carnavalesca nas artérias, tem dado entrevistas maravilhosas, onde inverte, carnavaliza totalmente o senso comum do rebanho. Por exemplo, quando convoca os jornalistas da Folha de S. Paulo a desobedecer seus editores e ouvir, transmitindo ao vivo a phala do povo. A interpretação da editoria é a do jornal e não a da liberdade do jornalista. Aí , quando liberta o jornalista da submissão ao dono do jornal, é acusado de ser contra a liberdade de expressão. Brilha Maquiavel, quando aceita aliança com Judas, como Dionísios que casa-se com a própria responsável por seu assassinato como Minotauro, Ariadne. É realmente um transformador do Tabu em Totem e de uma eloquência amor-humor tão bela quanto a do próprio Caetano.
Essa sabedoria filosófica reflete-se na revolução cultural internacional que Lula criou com Celso Amorim e Gil, para a política internacional. O Brasil inaugurou uma política de solidariedade internacional. Não aceita a lógica da vendetta, da ameaça, da retaliação. Propõe o diálogo com todos os diabos, santos, mortais, tendo certa ojeriza pelos filisteus como ele mesmo diz. Adoro ouvir Lula falar, principalmente em direto com o público como num teatro grego. É um de nossos maiores atores. Mais que alfabetizado na batucada da vida, lula é um intérprete dela: a vida, o que é muito mais importante que o letrismo. Quantos eruditos analfabetos não sabem ler os fenômenos da escrita viva do mundo diante de seus olhos?
Eu abro meu voto para a linha que vem de Getúlio, de Brizola, de Lula: Dilma, apesar de achar que está marcando em não enxergar, nisto se parece com Caetano, a importância do Ministério da Cultura no Governo Lula. Nos 5 dedos da mão em que aponta suas metas, precisa saber mais das coisas, e incluir o binômio Cultura & Educação.
Quanto a Marina Silva, quando eu soube que se diz criacionista, portanto contra a descriminalização do aborto e da pesquisa com células-tronco, pobre de mim, chumbado por um enfarte grave, sonhando com um coração novo, deixei de sequer imaginar votar nela. Fiz até uma cena na Estrela Brasyleira a Vagar – Cacilda!! para uma personagem, de uma atriz jovem contemporânea que quer encarnar Cacilda Becker hoje, defendendo este programa tétrico.
Gosto muito de Dilma, como de Caetano, onde vou além do amar, vou pra Adoração, a Santa adorada dos deuses. Acho a afetividade a categoria política mais importante desta era de mudanças. “Amor Ordem e Progresso.” O amor guilhotinado de nossa bandeira virou um lema Carandiru: Ordem e Progresso, só.
Apreendi no livro de Chris Dunn que os americanos chamam esta categoria de laços homossociais, sem conotação direta com o homoerotismo, e sim com o amor a coisas comuns a todos, como a sagração da natureza, a liberdade e a paixão pelo amor energia, santíssima eletricidade. Sinto que nessas duas pessoas de que gosto muito, Caetano e Dilma, as fichas da importância cultural estratégica, concreta, da Arte e da Cultura, do governo Lula, ainda não caíram.
A própria pessoa de Lula é culta, apesar de não gostar, ainda, de ler. Acho que quando tiver férias da Presidência vai dedicar-se a estudar e apreender mais do que já sabe em muitas línguas. Até hoje ele não pisou no Oficina. Desejo muito ter este maravilhoso ator vendo nossos espetáculos. Lula chega à hierarquia máxima do teatro, a que corresponde ao papa no catolicismo: o palhaço. Tem a extrema sabedoria de saber rir de si mesmo. Lula é um escândalo permanente para a mente moralista do rebanho. Um cultivador da vida, muito sabido, esperto. Não é à toa que Obama o considera o político mais popular do mundo.
Caetano vai de Marina, eu vou de Dilma. Sei que como Lula ela também sente a poesia de Caetano, como todos nós, pois vem tocada pelo valor da criação divina dos brazyleiros. Essa “estasia”, Amor-Humor, na Arte, que resulta em sabedoria de viver do brasileiro: Vida de Artista. Não há melhor coisa que exista!
Lula faz política culta e com arte. Sabe que a cultura de sobrevivência do povo brasileiro não é super, é infra estrutura. Caetano sabe disso, é uma imensa raiz antenada no rizoma da cultura atual brazyleira renascente de novo, dentro de nós todos mestiços brazyleiros. Fico grato a Caetano ter me proporcionado expor assim tudo que eu sinto do que estamos vivendo aqui agora no Brasil, que hoje é um país de poesia de exportação como sonhava Oswald de Andrade, que no Pau Brasil, o livro mais sofisticado, sem igual brazyleiro canta:
“Vício na fala
Pra dizerem milho dizem mio
Pra melhor, dizem mió
Para telha, dizem teia
Para telhado, dizem teiado
E vão fazendo telhado”

quarta-feira, outubro 28, 2009

Luis Werneck Vianna vê uma continuidade Vargas-Lula



Na Folha de São Paulo de hoje:


Sociólogo avalia que Lula concluiu "legado reacionário" de Vargas
Luiz Werneck Vianna diz que sucessos do governo não podem deixar em segundo plano justiça social

CLAUDIA ANTUNES
ENVIADA A CAXAMBU (MG)

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva concluiu a "modernização reacionária" do Brasil iniciada por Getúlio Vargas nos anos 30, quando o projeto de industrialização não foi acompanhado por reformas na estrutura agrária. O diagnóstico foi feito ontem pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, um dos principais nomes das ciências sociais brasileiras, na abertura do 33º encontro anual da Anpocs (Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), em Caxambu (MG).
Para Werneck Vianna, o presidente lidera uma "comunidade fraterna sob comando grão-burguês", em que ele "cimenta a unidade de contrários", mas com a hegemonia concedida ao grande capital rural e urbano.
Numa seção da qual também participaram o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, e o cientista político tucano Antonio Lavareda, Werneck Vianna deixou claro que não estava desqualificando o governo Lula - "sei das coisas boas que aconteceram e precisam ser valorizadas"-, mas fazendo um alerta para o futuro.
Ele avalia que o Brasil se tornou um "global player" e vive a "hora da virada". "Vamos para uma escala de desenvolvimento que vai reiterar as mais doces expectativas que acalentamos nos anos 50 e 60", disse o professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio).
O problema, continuou, é que todos os setores "se aninharam no interior do Estado", do agronegócio aos sindicatos, passando pela indústria paulista. Esse Estado "verticalizado e centralizado", por sua vez, se diz "representante de todos", o que esvaziaria o debate público.
"A arca do tesouro vai servir a quem?", perguntou, referindo-se ao petróleo do pré-sal e às antigas demandas por justiça social. "Vamos organizar o capitalismo numa social-democracia avançada. Sim ao Estado forte, mas sob controle da sociedade, não sobreposto assimetricamente a ela", pregou.
O presidente do Ipea se referiu ao mesmo impasse. Pochmann disse que há agora "uma maioria política" capaz de deixar para trás o projeto de "integração passiva e subordinada" do Brasil ao mundo. Mas, para ele, ainda está em jogo que tipo de desenvolvimento o Brasil terá. "Teremos a mesma dinâmica do século passado, baseada em casas, carros, bens de consumo duráveis? Ou um desenvolvimento ambientalmente sustentável?", perguntou.
Pochmann defendeu que a disputa entre PT e PSDB pela "condução do atraso brasileiro" na eleição de 2010 definirá a continuidade do projeto de "capitalismo organizado" ou a volta à "financeirização" não produtiva. Os possíveis candidatos tucanos "têm menor possibilidade de se aliar às forças do produtivismo", disse.
Werneck Vianna minimiza. "Mesmo o Serra vai manter esse projeto, com modulações próprias", disse sobre o governador paulista, possível candidato do PSDB à Presidência.

Uso eleitoral de obras é normal na democracia

Muitos criticam o uso eleitoral das obras e feitos de um governo nas democracias. Critica-se o fato de que os políticos, em geral, deixam as principais obras para o último ano de mandato, a fim de que sua inauguração esteja mais próxima das eleições e eles possam colher os frutos eleitorais. Como crítica moral sem nenhuma conseqüência na realidade, a crítica pode ser válida. Entretanto, para um analista político, essa crítica não tem valor nenhum, pois ela não adiciona nada ao nosso conhecimento da política tal como ela é e funciona. O políticos querem se manter no poder, e, nas democracias, isso se dá através de eleições, portanto, se os políticos forem racionais, farão de tudo para maximizar a quantidade de votos que ele ou seus aliados terão nas próximas eleições. Daí a proliferação de inaugurações e discursos em anos eleitorais. Não há um único político que não faça isto, pois se trata de uma necessidade para a sua própria sobrevivência política.

A acusação de que um ou outro político está transformando uma inauguração de obra em palanque eleitoral, faz parte do jogo de cena da disputa política. Os políticos que estão na oposição criticam o "uso político" das inaugurações. Assim que eles estiverem no governo, a situação se inverte: serão eles os acusados de "uso político" das obras públicas.

Raramente os políticos de oposição desperdiçam a oportunidade de ganhar votos de eleitores ingênuos acusando o governo do momento do "uso político" das inaugurações. Não seriam "políticos" se não fizessem essa acusação. Daí o caráter curioso das declarações de José Serra no Estadão de hoje, onde admitiu o "uso legitimo" dos dividendos da gestão, minimizando assim as críticas que ele poderia receber por fazer "uso político" de inaugurações ou obras em SP, mas também minimizando as críticas que, na esfera federal, o seu próprio partido, o PSDB, e seus aliados do DEM, fazem às inaugurações de obras do governo Lula, que, acusam, "são palanques eleitorais" para a candidata Dilma Roussef.
Abaixo a matéria do jornal o Estado de São Paulo (28/10/2009):


Colher ''dividendos políticos'' de gestão é legítimo, diz Serra

Ao mesmo tempo, PSDB acusa Lula de uso eleitoral de eventos de governo
Silvia Amorim

No comando do maior Estado do País, o governador de São Paulo, José Serra, afirmou ontem ser legítimo usar ações de governo para "colher dividendos políticos". O tucano é um dos nomes do PSDB para a disputa da Presidência da República em 2010. "A gente saber o que nós mesmos fizemos (no governo) é muito importante para poder explicar, defender e inclusive colher dividendos políticos, o que é legítimo dentro de uma ação governamental", afirmou o tucano, ao participar de cerimônia para sanção de um projeto de lei que tem como beneficiários em potencial cerca de 220 mil professores.

A declaração foi feita para uma plateia de parlamentares e dirigentes de escolas no momento em que Serra enfatizava a necessidade de todos conhecerem a fundo os detalhes do Programa de Valorização pelo Mérito. A nova medida permitirá aos professores da rede estadual até quadruplicar o salário ao longo da carreira. Ele, entretanto, foi breve no comentário e não deu detalhes de como acredita que deveria ser feita essa "colheita" política.

Na esfera federal, o PSDB e o DEM acionaram na Justiça o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, com a acusação de uso eleitoral de eventos rotineiros de governo. O caso que gerou a representação foi a visita de Lula e Dilma às obras de transposição do Rio São Francisco neste mês.

O secretário estadual da Educação, ex-ministro Paulo Renato, que acompanhou Serra na cerimônia, afirmou que a lei sancionada ontem à tarde poderia sim trazer "dividendos políticos". "A médio prazo certamente terá."

Serra tem criticado com frequência o PSDB por não explorar politicamente experiências bem-sucedidas das gestões tucanas pelo País. Já admitiu algumas vezes em público que considera o PT muito mais competente em capitalizar politicamente ações governamentais do que os tucanos. Em uma dessas ocasiões, o alvo da queixa era sua própria equipe de governo.

Ontem foi o segundo evento organizado pelo governo para divulgar o Programa de Valorização pelo Mérito aos professores. O primeiro, em agosto, foi quando Serra enviou o projeto de lei à Assembleia. Em seu discurso, contudo, Serra disse que não governa de olho no calendário eleitoral.

Mais uma vez, ele fez críticas sem mencionar o destinatário. "Para nós, educação não é discurso nem frufru. Chama empresários fala isso, fala aquilo, faz declarações, expressão de intenções, mas, na prática, fica no frufru até a próxima campanha", disse.

quinta-feira, outubro 22, 2009

Parte da entrevista de Lula na Folha de hoje

FOLHA - Ciro disse que o sr. e FHC foram tolerantes com o patrimonialismo para fazer aliança no Congresso. Ou seja, aceitaram a prática política de usar os bens públicos como privados. "No governo Lula, vi um pouco de novo a mesma coisa", ele disse em entrevista em fevereiro de 2008. Como responde a essa crítica?
LULA - Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, ele não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer, tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. E o eleitor escolheu seus representantes. Quem ganhar a Presidência amanhã, terá de fazer quase a mesma composição, porque este é o espectro político brasileiro. Não é o espectro do Ciro, do Lula, do FHC, do Serra, da Dilma. Coloque tudo isso na frigideira e perceberá que são os ovos que a galinha botou. São com eles que terá de fazer o omelete.
FOLHA - Nunca se sentiu incomodado por ter feito alguma concessão?
LULA - Nunca me senti incomodado. Nunca fiz concessão política. Faço acordo. Uma forma de evitar a montagem do governo é ficar dizendo que vai encher de petista. O que a oposição quer dizer com isso. Era para deixar quem estava. O PSDB e o PFL (hoje DEM) queriam deixar nos cargos quem já estava lá. Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.
FOLHA - É isso que explica o sr. ter reatado com Collor, apesar do jogo baixo na campanha de 1989?
LULA - Minha relação com o Collor é a de um presidente da República com um senador de um partido que faz parte da base da base. Os senadores do PTB têm votado sistematicamente com o governo.
FOLHA - Do ponto de vista pessoal, não o incomoda? Não lhe dá aperto no peito?
LULA - Não tenho razão para carregar mágoa ou ressentimento. Quando o cidadão tem mágoa, só ele sofre. A pessoa que é a razão de ele ter mágoa vive muito bem, e só ele sofre. Quando se chega à Presidência da República, a responsabilidade nas suas costas é de tal envergadura que você não tem o direito de ser pequeno. Tem de ter as atitudes de chefe de Estado. Fico sempre olhando quando a Alemanha e a França resolveram criar a União Européia. A grandeza daqueles dirigentes políticos, ainda com o gosto de sangue da Segunda Guerra Mundial.


Entrevista completa em:  http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u641276.shtml








Financial Times considerou correta a decisão do governo brasileiro

Financial Times considerou correta a decisão do governo brasileiro de taxar capital externo. 
Saiu hoje na Folha online:

22/10/2009 - 05h46

IOF sobre capital externo é medida "sábia", diz "Financial Times"

da BBC Brasil
Em editorial publicado nesta quinta-feira, o jornal britânico "Financial Times" apoia a decisão do governo brasileiro de taxar em 2% a entrada de capital estrangeiro no mercado financeiro, afirmando que o país está sendo "sábio" ao tentar evitar uma bolha especulativa "antes que seja tarde demais".
No artigo, intitulado "Atração fatal", o jornal avalia que "a modesta taxa sobre entrada de capital do Brasil é uma política sábia", argumentando que o fluxo excessivo de capital para o mercado pode trazer mais estragos que benefícios ao país.
"A paixão dos investidores impulsionou a moeda em 54,5% em relação ao dólar e 23% em termos de comércio - até que o governo disse 'chega' e impôs uma taxa de 2% sobre a entrada de capital para carteiras de investimento. Embora investidores ofendidos tenham deixado o preço das ações e do real cair, foi uma boa escolha", diz o editorial.
"Diferentemente da garota de Ipanema, o suíngue e o balanço do real é bem menos bacana e delicado", brincam os editorialistas.
O editorial observa que "cada vez mais, o capital entra no Brasil através das carteiras de investimento em vez de investimento direto externo".
"Enquanto a IED (média de investimento externo direto) em agosto, de US$ 1,6 bilhão, foi menos da metade de um ano antes, os fluxos para as carteiras de investimento mais que duplicaram, chegando a US$ 5,2 bilhões", cita.
"Estão colocados os ingredientes para uma clássica bolha de ativos de mercado emergente. O iminente status do Brasil como potência exportadora de petróleo aumenta a pressão."
Na avaliação do "FT", "o governo é sábio de se preocupar antes que seja tarde demais". "Nosso sistema monetário global, frágil e febril, deixa os países emergentes com menos opções para conter as bolhas, todas piores do que esta."
Para o jornal, "o Brasil tem elaborado suas políticas de maneira sensata".
"A taxa é modesta. Não se aplica ao investimento direto, menos propenso às bolhas de ativos. Mais importante, ela trata o investidor honestamente, taxando-os na ida ao invés de no momento em que eles tentam reaver seu dinheiro, como fez a Malásia há uma década. Agora o governo deve tranquilizar investidores, certificando-se de que eles entendem o raciocínio."
Câmbio
Entretanto, o jornal avalia que a posição do governo ao tentar justificar a taxa de 2% alegando uma tentativa de controle do câmbio é "começar as coisas pelo lado errado".
"A apreciação do real é sintoma da charada do Brasil; a causa subjacente são os fluxos de capitais que há anos vêm aumentando de intensidade e foram temporariamente interrompidos pela crise financeira", diz o artigo.
Concluindo o editorial, o "FT" avalia que "um Brasil bem-sucedido terá de viver com um real mais forte". "A taxa não altera este fato, mas ajuda a manter a tarefa sob controle."




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